O jornalista Rodrigo Vianna, âncora do Boa Noite 247, questiona a entrevista do diretor de redação do Valor, Cristiano Romero, com Roberto Campos Neto. Romero louvou o presidente do BC todo o tempo e não o questionou sobre seus investimentos offshore revelados pelo Pandora Papers -quase pediu desculpar por tocar no assunto. “Não vou mais ajudar a sustentar um jornal que acoberta e normaliza a picaretagem financeira”, escreveu Vianna ao cancelar a assinatura do Valor.
Por Rodrigo Vianna

Sou assinante do Valor Econômico há alguns anos: primeiro “no papel”, depois na versão eletrônica (CPF XXX.XXX.XXX-XX).

Apesar de não concordar com a linha editorial do Valor, muito próxima de certo liberalismo obtuso, considerava que sua equipe (que inclui bons colunistas e repórteres) tinha algum compromisso com os fatos.

O escândalo, revelado por um Consórcio Internacional de Jornalistas, mereceu manchetes de primeira página nos principais jornais do Mundo. Aqui no Brasil, o fato foi quase ignorado pela imprensa que se diz “profissional”. Talvez porque os donos de jornal também tenham contas em esconderijos fiscais.

Esperava que o jornalista do Valor questionasse o presidente do BC sobre o tema. Ao invés disso, assisti a uma entrevista que parecia feita por um assessor de imprensa, louvando inclusive o fato de Roberto Campos Neto ser descendente de um ex ministro da ditadura militar (claro que o diretor do Valor louvou o papel do avô, sem incomodar o neto com pergunta desagradável sobre o fato de Bob Fields ter atuado sob regime militar assassino).

Ser neto de Roberto Campos deve integrar o pacote de meritocracia que liberais receitam para o Brasil: “seja você também um neto de ministro da ditadura, e prospere com dinheiro no exterior!”
Bem no fim da live, o jornalista Cristiano Romero, quase pedindo desculpas, afirma: “surgiram essas informações de recursos no exterior, fui lá ver que tava tudo declarado já na sua sabatina no Senado e na comissão de Ética da presidência e tá tudo declarado. Queria saber se o senhor quer falar algo mais sobre isso?”
Tipo: “são umas besteirinhas aí, que eu não trouxe antes à live para não perturbar o senhor, um legítimo neto de Roberto Campos…”
Parecia um repórter de campo de rádio que, ao fim da partida, diz constrangido ao jogador de futebol: “o microfone é seu, fale o que quiser…”

Nenhuma pergunta efetiva sobre os seguintes tópicos:

1. é ético o sujeito que comanda a política monetária ter recursos no exterior?

2. o brasileiro deveria confiar nos bancos do Brasil se a autoridade monetária prefere manter recursos no exterior?

3. por que aplicar no exterior e não no Brasil?

4. é razoável que o Ministro da Economia tenha recursos no exterior sabendo que ele gere a política de câmbio no Brasil, e portanto ganha dinheiro com a variação cambial?

5. o Banco Central pretende criar um programa que facilite, ao brasileiro médio, abrir empresas de fachada em esconderijos fiscais, ou esse expediente está reservado aos magnatas do mercado financeiro? o senhor recomenda que todo brasileiro mande dinheiro para o exterior?

Pelas razões acima expostas, solicito o cancelamento imediato de minha assinatura.

Não vou mais ajudar a sustentar um jornal que acoberta e normaliza a picaretagem financeira.

Minhas saudações à família Marinho e seus amigos na Mossack Fonseca e nas Ilhas Virgens Britânicas.

Atenciosamente,

Rodrigo Vianna

(ex) assinante

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